Entrevista - Eddie Van Halen


Entrevista extraída da revista Rock Especial - Editora Som Três - meados de 1980.                                                                                    

      
Eddie não se considera um astro do rock. Diz que, simplesmente, gosta de tocar guitarra. A simplicidade é um dos pontos altos da personalidade de Eddie Van Halen, que você vai conhecer a fundo neste papo informal. Aqui ele também revela, timtim por timtim, ps segredos e as manhas inacreditáveis que o transformaram no mais celebrado guitarrista do mundo. (entrevista concedida em meados de 1980)

Quando você começou a tocar guitarra, quanto tempo você gastava nisso?
V.H. - O dia inteiro, todo dia. Eu costumava cabular aula e ir para casa tocar guitarra.

Você aprendeu a tocar sozinho?
V.H. - Guitarra, sim. Nunca tive uma aula em minha vida, exceto quando um amigo, muito tempo atrás, me mostrou como fazer acordes com pestana. Eu aprendí a partir daí.

Como é que você aprendeu a solar?
(Eddie pega uma guitarra e reproduz o solo de Eric Clapton (fotos 01 e 02) em "Crossroads", do LP Wheels).
V.H. - Eu sei essa música nota por nota, e também "I'm so glad" (do LP Fresh Cream) e a versão ao vivo de "Sitting On The Top Of The World" (do LP Goodbye, do Cream). Eu sabia todas essas coisas.

   
   foto 01 - Eric Clapton no Cream              foto 02 - Eric Clapton em carreira solo

Qual foi a sua primeira guitarra?
V.H. -  Foi uma Teisco Del Rey, com quatro captadores (foto 03). Eu pensava : "Cara, quanto mais captadores, melhor". E veja o que eu tenho agora - um captador e um botão de volume (foto 04).

   
foto 03 - Eddie e sua primeira guitarra                 foto 04 - Eddie a sua primeira customização
      
Como você desenvolveu sua velocidade?
V.H. - Bem, eles costumavam me trancar numa salinha e ficavam mandando : "Toca depressa!" (risos). Na verdade, estudei para ser pianista clássico. Eu tinha um professor russo que não falava uma palavra sequer em inglês, e só ficava lá sentado com uma régua na mão, pronto pra me bater na cara se eu fizesse algum erro. isso foi na Holanda, e tanto eu como meu irmão tivemos aulas. Daí, quando nós fomos para os Estados Unidos, meu pai arrumou outro professor. Basicamente foi assim que meus ouvidos se desenvolveram. Aprendí teoria e botei meus dedos pra se mexerem. Daí, quando pintaram Dave Clark  Five e todas aquelas bandas, eu quis entrar nessa. Eu ainda toco  piano, e também toco violino.

Então vocês saíram do conservatório para a garagem?
V.H. - É. Era basicamente Alex e eu. Pra dizer a verdade, tem sido nós dois desde sempre. Ficávamos tocando, e aí dizíamos : "Ei, isso tá sem peso, nós precisamos de um baixista". (risos) Daí nós tivemos um monte deles. Então eu cansei de cantar e nós colocamos o Dave na banda.

 "Meu pai é como eu e Alex - tem 16 anos de idade"

Seus pais apoiaram a sua mudança para a guitarra e o rock and roll?
V.H. - Meu pai sim, mas minha mãe não. Ela tinha medo que nós virássemos músicos como meu pai. Ela ainda acha que isso não vai durar, mas está orgulhosa. Meu pai foi um dos melhores clarinetistas de seu tempo. Ele era quentíssimo! Meus pais são dois opostos - a conservadora e o malucão (foto 05). Se você conversar com meu pai, ele faz você rolar de rir. Ele é como eu e Alex - tem 16 anos de idade. Toda sua vida tem sido a música. É tudo que ele conhece (foto 06).

 
                      foto 05 - Alex, Jan(pai), Eugenia(mãe) e Eddie Van Halen                        foto 06 - Jan (pai) e Eddie

Eles vão nos seus shows?
V.H - Vão. Meu pai chora quano vê agente tocando, porque ele adora. Sabe como é, ele fica muito feliz. É mesmo um sonho delel virando realidade: a tradição musical da família continua, e também é o nome dele que está lá. Quando eu estava na escola, todo mundo dizia: "Detesto meus pais - eles são uns bundões". Eu não, eu era sempre o esquisito. Eu dizia: "Ei, eu amo meus pais! Faço qualquer coisa por eles. Eles sempre me deram a maior força". No aniversário do meu pai, no ano passado, aposentamos ele e lhe compramos um barco. Quero ver minha família feliz.

"Eu gostava da Les Paul, mas ela não servia no meu corpo"

O que fez você decidir a construir suas próprias guitarras?
V.H. - Pra mim, uma Les Paul era a guitarra padrão no rock. Eu gostava do som, mas ela não servia no meu corpo (foto 07). Eu queria aquele tipo de som, mas com uma alavanca de trêmolo. E a Bigsby (alavanca que equipava as guitarras Gibson) era a pior. Então eu comprei uma Stratocaster 58 alguns anos atrás, quando agente tocava em bailinhos de colégio, e Dave e Alex começaram a reclamar, dizendo pra não usar aquela guitarra porque ela não tinha peso. Sabe como é, tinha captadores simples, que fazem muito ruído. Não tinham peso no som, ao menos que eu usasse um pedal de Fuzz, e isso piorava ainda mais o som. Por isso vendí essa guitarra e dois anos depois comprei uma furadeira e coloquei um captador Gibson PAF no corpo de uma Strato 61. E cheguei bem perto. De repente, a banda começou a dizer: "tudo bem, não soa mais como uma Stratocaster"(foto 08). Daí ouví dizer que uma companhia chamada Charvel fazia cópias exatas de guitarras Fender, mas com madeira melhor (foto 09).

    
 foto 07 - com sua Gibson Les Paul          foto 08 - primeira Strato          foto 09 - Strato customizada

Foi lá que você arrumou a madeira para a sua primeira guitarra feita em casa?
V.H. - Foi. A primeira mesmo foi uma com faixas pretas e brancas, que aparece na capa do primeiro álbum. Eu fui na Charvel e fiz com que eles abrissem mais o espaço no corpo, para um captador e um botão de volume. Tive que cortar meu próprio escudo preto para cobrir tudo, pois era um corpo de Strat com lugar para três captadores (foto 10). Usei uma alavanca de vibrato de uma Strat 58. Também pedí para a Charvel me fazer um braço bem largo. Não gosto de braço estreito - gosto de um braço quase tão largo quanto o de um violão clássico, porém fino na espessura do cabo. Eu deixei a guitarra sem acabamento, porque detesto escorregar o dedo quando puxo as cordas (foto 11).

 
              foto 10 - usando ao vivo sua guitarra preferida                               foto 11 - em estúdio 

"Gosto de confundir as pessoas quando elas começam a me copiar".

Quanto tempo demorou para você construir sua Strat preta e branca?
V.H. - Não muito. O que mais demorou foi me preparar para construí-la. Eu tinha uma velha Gibson ES-335, que era a minha guitarra experimental. Essa guitarra eu troquei os trastes, pintei e acabei estragando completamente. Quer dizer, eu fiz tudo que se pode imaginar pra arruinar a guitarra. Mas aprendí muito com isso. É uma pena, porque aquela guitarra valeria uma grana razoável hoje em dia. Mas foi com ela que eu aprendí tudo o que sei sobre como construir guitarras, por isso acho que valeu a pena.

Você modificou aquela primeira Strat preta e branca?
V.H. - Sim. Uma companhia começou a copiá-la, por isso eu pensei: "Cara, tá na hora de mudar". Então eu fiz uma pintura toda estranha nela e coloquei três captadores - só que eles não funcionam (foto 12). O único que está ligado é o que fica perto do cavalete. Só fiz isso pra ficar diferente. Assim, todos os garotos qye compraram uma guitarra igual aquele modelo, vão falar: "Pô, ele descolou um modelo novo outra vez". Gosto de confundir as pessoas quando elas começam a copiar o que estou fazendo. Aqui estou eu, um moleque tentando tirar som de uma guitarra diferente das outras e todo mundo começa a querer uma igual.

   
                foto 12 - Eddie e a primeira versão da Frankenstrat vermelha, preta e branca

Você fez uma guitarra diferente para o seu segundo álbum?
V.H. - Eu fiz uma Strat preta e amarela, com um corpo da Charvel (foto 13). Na verdade, o captador que aparece na foto não é o que foi usado. Eu tinha acabado de montar e pintar a guitarra quando foram tirar a foto da capa. Então eu coloquei aquele captador, só para parecer que o instrumento estava completo. Depois eu tirei o captador da minha primeira guitarra e coloquei nessa, mas o som não ficou muito bom. Não gosto muito dos captadores DiMarzio, porque eles distorcem muito. Gosto de um som limpo, com sustain. Detesto pedal de Fuzz. Por isso coloquei um imã PAF num captador DiMarzio, que eu rebobinei à mão, coisa que demorou muito tempo. Estraguei uns três captadores, até que na quarta vez deu certo. Não contei quantas voltas eu dei no fio - eu calculei meio a olho.


                                                     foto 13 - Eddie e sua guitarra "Bumblee Bee" 

"Para o som ue eu gosto, também é importante o espaço entre o cavalete e o captador".

Qual a parte mais difícil na construção das suas guitarras?
V.H. - Fazer o braço servir no corpo. outro problema é que as cordas numa Stratocaster ficam espaçadas de forma diferente da Gibson. Se você usa um captador Humbucking, as cordas não coincidem com os pólos do captador. Por isso eu experimentei inclinar o captador, de modo que a primeira corda (mi aguda) seja captada por um pólo da frente, e a sexta corda (mi grave), por um pólo de trás. Para o som que eu gosto, também é importante o espaço entre o cavalete e o captador. Eu faço quase igual à Les Paul. Se eu coloco o captador muito perto do braço, obtenho uma tonalidade parecida com a do Grand Funk e do Johnny Winter. Se eu coloco muito perto do cavalete, consigo um som tipo Stratocaster, mais agudo. Por isso eu costumo colocar o captador um pouco pra frente daquela posição da Strat, para conseguir uma tonalidade mais reforçada.

Nas suas excursções você carrega ferramentas especiaise peças sobressalentes?
V.H. - Levo pelo menos cinco braços extras, três corpos diferentes, dez captadores, algumas tarrachas e um par de alavancas, pro caso de alguma quebrar. Veja, se nós estamos excursionando há seis meses e os trastes começam a ficar ruins, eu substituo o braço inteiro, em vez de trocar os trastes, simplesmente por uma questão de tempo. Em matéria de ferramentas, eu levo chave de fenda, furadeiras, serras - coisas muito simples. (risos).


                                  trocando as cordas antes do show

Você faz alguma coisa especial em seus captadores?
V.H. - Eu normalmente uso velhos Gibson PAF, e sempre dou um trato neles. Eu os mergulho em parafina quente e isso evita que eles peguem microfonia. isso é um truque que requer cuidado, porque se você deixar o captador muito tempo, ele acaba derretendo. Eu pego uma lata e derreto um pouco de parafina, do mesmo tipo que se usa em pranchas de surfe, e coloco nela o captador. Saca, um dos motivos do captador gerar microfonia, é por causa da vibração dos fios dentro dele, e quando os fios são parafinados, a cera evita que eles vibrem demais.

"Estico as cordas até a  morte".

Como você se esquenta antes de ir pro palco?
V.H. - Só faço algumas escalas. Devagar ou depressa, dependendo da frieza dos meus dedos.

Você repete seus solos todas as noites?
V.H. - Raramente eu repito um solo. Às vezes eu me lembro do jeito que eu solei no disco e tento seguir aquilo. Sabe como é, se você não tocar igual ao disco, a garotada vai dizer: "Ei, aquela não é a mesma música!".

Você coloca cordas novas toda noite?
V.H. - Sim, da marca Fender 150XL. Eu as estico até a morte. Porque com a nova alavanca Floyd Rose, eu fervo as cordas para que elas estiquem, senão, se você apenas colocá-las e apertá-las pra baixo com a alavanca, as cordas irão ceder na guitarra. Eu pego um pacote delas e as deixo ferver na água, por 20 minutos. Depois eu as seco ao sol, caso contrário elas enferrujam. Mas eu só as uso uma única noite, então quem sem importa se enferrujarem?

"Consigo sons muito mais esquisitos com essas coisas vagabundas".

Qual a sua filosofia quanto ao uso de efeitos?
V.H. - A minha é descolar as coisas mais baratas possíveis. Eu vou nessa loja onde compro todas minhas coisas, chamada Dr.Music (Pasadena, CA) e eles ficam rindo de mim. Porque eu pergunto o que eles tem, e eles vão me mostrando coisas novas e caras, e eu fico perguntando: "Não tem nada bem barato?". É que eu consigo sons muito mais esquisitos com essas coisas vagabundas do que com esses dispositivos que custam uma grana, quem nem dá pra carregar por aí, pois são muito delicados. Se você visse a minha pedaleira...


                         foto 14 - pedaleira improvisada

O que tem nela?
V.H. - É um pedaço de madeira compensada, com dois controles para a minha câmara de eco Echoplex, um MXR Phase 90, que já tenho há anos, e um MXR Flanger, tudo preso com fita isolante (foto 14). Um monte de guitarristas de renome riem consigo mesmos quando vêem aquilo, mas depois de me ouvirem, eles vão logo querendo experimentar. Alguns desses caras têm isso e aquilo, blablablá, coisa e tal. E eu fico perguntando: "Isso tá ligado? Está funcionando?" Pra que serve isso? O que isso faz?". Eu, pelo menos, quando uso um efeito, eu sei que efeito estou usando. Meu truques principais estão nos meus amplificadores.

Parte 2