Entrevista - Eddie Van Halen de mãos limpas


Entrevista cedida à Revista Bizz - Edição 118 - Maio de 1995


                 Eddie Van Halen, sóbrio em "Balance"
 

Quatro anos depois do último trabalho com material inédito, Edward Van Halen, à frente do seu Van Halen, reaparece com Balance, um disco pesado que segue a mesma linha dos trabalhos anteriores. O equilíbrio perfeito entre canções que soam como um furacão e baladas bem elaboradas mostram que sonoramente o Van Halen não mudou. Em compensação, o novo visual mais sóbrio de Eddie com os cabelos cortados e um cavanhaque cerrado revela uma nova fase na vida de um dos maiores guitarristas da história do rock.

Sentado no seu legendário estúdio 5150 no topo de uma colina do Vale San Francisco, na Califórnia, uma mistura de paraíso para músicos e técnicos de som e parque de diversões onde máquinas de videogames estão espalhadas por todos os cantos, Eddie Van Halen recebe a imprensa do mundo todo e exibe com sobriedade seus 40 anos completados em janeiro. Com uma fala mansa e uma coragem impressionante para expor seus problemas mais íntimos, Eddie exibe uma maturidade inédita no seu comportamento desde seus últimos contatos com jornalistas. O seu currículo traz, além do título de um dos maiores guitarristas da história do rock e inventor de uma técnica única e inigualável, problemas sérios com o álcool, que incluem várias internações por bebedeira. A última foi há quase um ano na clínica Betty Ford, famosa por livrar várias estrelas do rock das drogas e do álcool. Desde então Edward Van Halen não é mais a mesma pessoa.

A morte do empresário e amigo Ed Leffler, o alto risco da banda se desfazer devido aos seus porres constantes e principalmente o crescimento do filho Wolfgang, de 4 anos, o fizeram repensar toda a sua vida. "Um jornalista europeu me perguntou por que havia cortado o cabelo e eu respondi que havia simplesmente perdido uma aposta num jogo de golfe. Eu menti. Na verdade, no meio de todos os problemas que estava vivendo, um dia eu me levantei no meio de uma conversa com o empresário do Aerosmith, Tim Collins, fui até o banheiro e zerei a minha cabeça. Na hora eu parecia uma vítima de Auschwitz. Pensava que tudo de ruim que existia na minha vida estava ali na minha cabeça e mudei a minha vida naquele gesto. Eu estava frustrado, de saco cheio e não sabia o que fazer", revelou a um repórter da revista Rolling Stone.

Desde então Eddie parou de beber e passou a se dedicar à família. Se transformou num pai exemplar que, quando não está em turnê, acorda todos os dias às seis da manhã para levar o filho ao colégio e apara pessoalmente a grama de seu campo de golfe na mansão Van Halen. O resto do tempo passa no estúdio tocando guitarra com seus amplificadores aos berros e tomando algumas garrafas de cerveja. Não alcoólicas, é claro.

Com uma dessas garrafas na mão, Eddie continua a responder as perguntas dos jornalistas e agora anda de um lado para o outro. Parece ter mesmo dado fim ao alcoolismo. Ou pelo menos deu um grande passo para isso. Tem consciência do tamanho do seu problema e assume abertamente que é um dependente do álcool. "Eu sou um alcoólatra e tinha de parar de beber. O meu alcoolismo chegou num ponto que eu bebia apenas para ficar bêbado e queria ficar embriagado o tempo todo. Só parava de beber quando ia dormir. Minha produção musical inclusive estava totalmente ligada ao álcool."                                                                                                                          

              Eddie em seu estúdio em casa, batizado de "5150"                                                                                        

Hoje, quando toca guitarra sóbrio, Eddie diz se sentir meio estranho e está penando para se acostumar com isso. Afinal, são 28 anos de vício. "Eu sou um pouco tímido e a bebida sempre funcionou como uma espécie de droga milagrosa que me deixava mais calmo, principalmente quando estava na frente do público. Não interessa se eu tocava para uma ou para 100 mil pessoas."

Ao contrário de outros artistas que começam a beber quando caem na estrada, Eddie foi introduzido ao álcool pelos pais quando tinha 12 anos de idade. "Eu me lembro que quando ficava nervoso meu pai me dava uma dose de vodca e eu me acalmava. Isso acabou virando uma constante na minha vida. O álcool virou uma condição para tudo que eu fazia. Desde compor até me relacionar com a minha mulher."

Nas gravações de Balance, Eddie estava no começo da sua reabilitação e gravou praticamente o disco inteiro sóbrio. Isso acabou lhe dando uma nova ótica sobre o seu trabalho. Ele confessa que desta vez tinha a noção exata sobre a sua atuação e percebia o que realmente era bom ou ruim. "Em Balance eu bebi muito pouco. Algumas passagens ficavam exageradas e resolvia fazer de novo. Nos discos anteriores, só de cerveja eu chegava a entornar umas quinze garrafas por dia."

Tocado pelo álcool ou não, Balance foi o primeiro disco que o Van Halen abriu a produção para um cara de fora da banda. O produtor Bruce Fairbairn, conhecido pelo trabalho com o Aerosmith, foi quem dessa vez tomou as rédeas do disco, dava palpites e chegava a interferir em riffs, arranjos e até em solos de guitarra.

O resultado agradou muito a banda, que no início das gravações tinha músicas em excesso e não sabia muito bem o que fazer com elas. "Acho que queríamos alguém que nos desse uma dura. Se não tivéssemos trabalhado com Bruce, provavelmente estaríamos no estúdio até agora e certamente não excursionaríamos em 95", conta o vocalista Sammy Hagar.

"Tínhamos mais de vinte músicas e todas eram enormes. Então o Bruce brincou e nos perguntou se a idéia era gravar um CD duplo. Aí partes foram limadas, músicas inteiras eliminadas e nessa confusão surgiu a instrumental ‘Baluchitherium’. A música estava sem vocais e decidimos que ela ficaria assim mesmo. O resultado já era excelente", completa Eddie, empolgado.

"Baluchitherium" é o nome de um dinossauro e virou o título da canção por sugestão da mulher de Eddie, Valerie Bertinelli. Ela ouviu a canção nos ensaios e achou que a música soava grande e forte como um animal pré-histórico. "Não é a primeira vez que ela dá palpites. Gostamos disso", conta Eddie, com ar de marido orgulhoso.                            

  Valerie Bertinelli e Wolfgang , com 4 anos                                                                                                                  

Além de mulher de rockstar, Valerie é atriz e está casada com Eddie há quatorze anos. Ela segurou todas as barras na época em que o marido vivia em meio às garrafas e confessa que estava exausta da situação. "Eddie é um cara de coração grande, um amor de pessoa, mas se ele não parasse de beber provavelmente eu não estaria mais aqui. Quatorze anos ao lado de um alcoólatra é o meu limite", desabafou à revista Rolling Stone.

O papo com os jornalistas se transforma numa audição de Balance e subitamente quando o CD rolava no talo, Eddie interrompe a execução do disco e intervém: "Outro dia cheguei à conclusão que este disco foi feito para se ouvir no carro. Soa muito melhor". Minutos mais tarde, Eddie e um jornalista da revista Guitar Player estavam dentro do Mercedes da família Van Halen, com o som extremamente alto. A imagem que se tem de fora do carro é a de Eddie sentado no banco do carona, de olhos fechados e com a cabeça confortavelmente recostada no banco. O sorriso que estampa o seu semblante deixa bem clara a sua satisfação com o novo trabalho.                                                         

                        Eddie, de cavanhaque, cabelos curtos e sóbrio, no vídeo "Don't tell me (what love can do)"                      

A empolgação e a alegria de Eddie parecem ter sido a mesma do público que assim que Balance saiu em fevereiro catapultou o disco para o primeiro lugar na parada da revista Billboard. Atualmente Balance transita entre o terceiro e quinto lugares da parada.

Ocupar o topo das paradas, aliás, não é novidade para o Van Halen. Desde 85 quando foi lançado o álbum 5150, que marcou a entrada do vocalista Sammy Hagar, substituindo o hoje decadente David Lee Roth, a banda não vende menos de 5 milhões de cópias por álbum.

As vendas sempre foram puxadas por hits como "Love Walks In", em 5150 ou "Right Now", em For Unlawful Carnal Knowledge e grandes turnês mundiais. A turnê de Balance começou em março e vai correr aproximadamente 2 milhões de quilômetros ao redor do mundo e, segundo a gravadora, deve passar pelo Brasil no segundo semestre.

A postura mais madura de Eddie e consequentemente da própria banda, parece não ter mudado a atitude dos caras no palco. A mudança de imagem e um posicionamento mais sóbrio, aliás, são questões que não preocupam o Van Halen.    

                           A banda, no estúdio 5150, na época da gravação do álbum "Balance"                                                  

Segundo Eddie, não há problema em ser um cara mais careta ao mesmo tempo que um astro do rock. "O estereótipo do roqueiro drogado está ultrapassado, principalmente depois do suicídio de Kurt Cobain. Acho que o problema dele foi exclusivamente com as drogas. Foi terrível o que aconteceu com ele. O que Kurt tinha de melhor é que as músicas dele vinham realmente de dentro. Não acredito que ele tenha se matado por causa do sucesso. Se foi mesmo por isso, ele foi tarde demais. A minha nova maneira de encarar a vida não vai interferir em nada na minha música."

Uma boa prova de que as palavras de Eddie parecem verdadeiras é a sua opinião a respeito dos Unpluggeds. Um caminho que seria previsível nesta fase mais madura. "Eu não sou o tipo de cara acústico. Gosto mesmo é de tocar alto".